domingo, 13 de junho de 2010

PLANETA PINK!

Trinta travestis sergipanas estão na Europa

Do JC on line
Fugir do preconceito da família, da socieade e ficar rica. Esta combinação de fatores é o que tem levado travestis sergipanas para a Europa. A ONG Astra – Direitos Humanos e Cidadania GLBT estima que, anualmente, cerca de 30 travestis sergipanas embarcam nesse sonho. No entanto, a mesma quantidade acaba voltando para o Brasil, após descobrir que a Europa pode ser uma grande ilusão. É que muitas ‘ganham’ passagem e hospedagem, mas se tornam verdadeiras reféns de agenciadores e cafetões.
Uma viagem para a Europa não sai por menos de R$ 6 mil. “Mas quando elas chegam lá não têm paz. Ficam devendo até 10 mil euros. Se não pagam correm o risco de serem denunciadas e deportadas. Fora isso, tem sempre a travesti que já é a dona da rua e cobra uma taxa, que chega a 3 mil euros, para que outras usem o ponto. Muitas não conseguem pagar esse valor e são torturadas. A travesti na Europa é tida como cidadão de terceira categoria”, revelou uma travesti que preferiu não se identificar.
Para Tathiane Araújo, presidente da Astra, além de o mercado de trabalho brasileiro para travestis e transexuais não proporcionar boas oportunidades, as travestis se sentem desamparadas. “O primeiro seio de estrutura para uma travesti deveria ser a família, que não aceita quando o filho assume sua identidade feminina. O segundo seio de estrutura é a escola, onde as travestis não suportam serem chamadas pelo nome de registro e são obrigadas a conviver com uma realidade que não é a delas”, analisou.
Assim, a Europa é vista como um destino que vai propiciar a solução desses problemas. “É uma porta que parece da felicidade. O mais deprimente é que quando as travestis voltam com uma certa estabilidade financeira, compram a aceitação da família”, lamentou Tathiane. Ela lembrou que a quantidade de travestis sergipanas que vão para a Europa tem diminuído por conta do medo da deportação. Mas muitas estão lá nessa época, onde no Hemisfério Norte é verão, o que facilita o trabalho nas ruas.

Renda
Se em Aracaju as travestis fazem poucos programas por noite e cobram, no mínimo, R$ 20 por cliente, na Europa o lucro é bem maior. Em Aracaju, se o cliente quiser passar a noite, as travestis dizem que dá para cobrar R$ 200, R$ 300, mas elas garantem que esse tipo de programa é muito raro. A travesti sergipana Giselle Lins, que passou sete anos morando na Espanha e Itália, chegava a ganhar de 30 a 50 euros por programa, o que equivale de R$ 65 a R$ 109, em média.
Antes de ir para a Europa, Giselle morou em Belo Horizonte e depois Rio de Janeiro, onde fez filmes pornôs e parou de se prostituir. Ela contou que São Paulo e a capital carioca são os melhores lugares do Brasil para as travestis ganharem dinheiro. “Tem travestis em São Paulo que ganham R$ 700 por noite”, contou Giselle.

Estudo
Na opinião da presidente da Associação de Travestis Unidas na Luta pela Cidadania (Unidas), a travesti Jéssica Taylor, antes de pensar em morar no exterior, as travestis deveriam investir nos estudos. O problema é que muitas largam cedo a escola, principalmente se começam a se prostituir. “As travestis deveriam voltar e estudar e pensar mais no futuro. Não deveriam ter a rua como única opção de vida”, aconselhou Jéssica, que tem 36 anos.
Aos 11 anos de idade, ela saiu de Ilha das Flores para morar em Aracaju, com uma tia que é falecida. A família achava que ela tinha uma doença por querer se vestir e se comportar como uma garota. Jéssica passou dois anos em São Paulo, com um primo que era homossexual, e quando voltou para Aracaju começou a se prostituir para sobreviver. “Naquela época, a gente ganhava bem porque travesti era novidade em Aracaju”, lembrou.
Jéssica disse que até ganhava bem, mas gastava todo o dinheiro em roupas, sapatos e viagens pelo Nordeste. Casada há 13 anos, hoje Jéssica não se prostitui mais todos os dias. Além da renda do marido, que é comerciário, ela trabalha como cabeleireira. Está prestes a terminar o ensino médio e pretende fazer faculdade de Serviço Social. “Não tenho vontade de ir para a Europa. Estou feliz como meu companheiro aqui. Quero me formar e espero que meu pai esteja vivo para ver”, revelou Jéssica.

Apedrejadas nas ruas
As travestis que trabalham na noite de Aracaju reclamam do preconceito e discriminação. Apesar de todas as conquistas, associações e leis que protegem o público LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transformistas) pessoas chegam a apedrejar as travestis que fazem ponto na Avenida Ivo do Prado. “Tenho recebido algumas reclamações de travestis que estão sendo agredidas verbalmente por um conhecido apresentador de televisão local”, revelou Tathiane Araújo, presidente da Astra.
Ela disse que vai pedir à Secretaria de Segurança Pública imagens das câmeras de segurança que possam comprovar a denúncia e levar o caso para o Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV). “Fico indignada com isso porque ele deveria orientar as pessoas e passar uma imagem de consciência de vida justa e igualitária. Ao invés disso, pratica uma cultura arcaica e preconceituosa”, lamentou Tathiane.
Outra prova do preconceito sofrido pelas travestis é a dificuldade que elas têm para abrir crediários e alugar imóveis. “Eu tenho condições financeiras para alugar um apartamento mobiliado, mas não consigo porque exigem tanta coisa. Até para abrir um crediário é uma verdadeira humilhação. Em São Paulo e no Rio o tratamento é melhor. No meu próprio Estado, onde eu deveria ser bem tratada, não sou”, criticou Giselle Lins.
Já a travesti Jéssica Taylor acredita que as pessoas estão menos preconceituosas. “Quando comecei a trabalhar como travesti não saíamos de casa durante o dia porque xingavam e batiam na gente na rua. Hoje ando de ônibus com meu marido e ninguém fala nada”, comemorou Jéssica, que está cursando o ensino médio. Ela se considera vitoriosa porque no diário da escola ainda consta seu nome de registro, mas ela é chamada apenas pelo nome feminino.

Gisele foi deportada, mas quer voltar
A travesti Giselle Lins, de 28 anos, passou sete anos na Europa, onde morou na Itália e Espanha, e só voltou para o Brasil em 2009 porque foi deportada. Apesar de algumas dificuldades que passou no exterior, ela pretende voltar, morar na Espanha, onde vive o namorado, abandonar a prostituição, trabalhar como acompanhante de idosas e estudar Gastronomia.
A família descobriu que Giselle não era exatamente um rapaz quando ela tinha 18 anos. “Eu não me sentia feliz, não ia para as festas porque não queria usar roupa de homem. Comecei a falar que queria usar roupa de mulher e minha família não aceitava. Então sai da casa dos meus pais, em Lagarto, e vim para Aracaju trabalhar de doméstica na casa de um amigo. Depois comecei a tomar hormônio e descobri a rua”, lembrou Giselle.
No início, ela trabalhou como garoto de programa, “mas não levava jeito”. Foi para Salvador, colocou silicone nos seios e voltou para Aracaju. Após brigar com um cliente, quase ser agredida e tomar a arma dele, Giselle foi morar em Belo Horizonte e de lá partiu para o Rio de Janeiro, onde fez filmes pornôs. “Lá foi o pré-vestibular para a Europa”, brincou.
Na Europa, viveu primeiro na Itália, onde se prostituiu apenas três meses antes de arrumar um namorado rico. Quando o relacionamento terminou, foi para a Espanha e trabalhou por sete meses em um restaurante de cozinha brasileira. “O restaurante faliu e voltei para a rua. Até ganhava bem, mas me droguei muito. A maioria do dinheiro gastava lá e outra parte mandava para minha mãe”, revelou Giselle.
No ano passado, o pai dela faleceu e Giselle quis voltar para o Brasil. A sorte, ou o azar, acabou dando uma forcinha. “Estava trabalhando em um lugar e a polícia chegou. Deportaram várias travestis brasileiras, mexicanas e argentinas. Perdi meus direitos e terei que passar um tempo no Brasil, mas pretendo voltar para a Espanha em breve”, confessou Giselle, que fala espanhol e italiano.

Unidas e Astra defendem as travestis
Duas organizações não governamentais (ONGs) em Aracaju fazem um trabalho social com travestis. A Associação de Travestis Unidas na Luta pela Cidadania (Unidas) surgiu em 1999 e hoje mantém a Casa de Apoio Janaína Dutra, no bairro Luzia, onde travestis fazem cursos, recebem assessoria jurídica e psicológica e podem pernoitar. A Astra – Direitos Humanos e Cidadania GLBT segue a mesma linha e vai comemorar seu nono aniversário em novembro. O presente será a realização de um grande evento.
A Astra está coordenando a realização, em Aracaju, o 17º Encontro Nacional de Travestis e Transexuais, que acontecerá de 11 a 14 de novembro e deverá reunir mais de 150 participantes. Antes disso, no dia 29 de agosto, será realizada na Orla da Atalaia a 9ª Parada GLBT. A coordenação também é da Astra, como apoio de diversas entidades do movimento GLBT.
A sede da Astra fica na Rua Laranjeiras, 1473, e o telefone é o 3211-5467. Já a Unidas está localizada na Rua Integração, 212, no bairro Luzia. O telefone é o 3043-0986. A casa de apoio da Unidas foi batizada de Janaína Dutra para homenagear um advogado cearense que era travesti e militava pelos direitos dos homossexuais. Ele morreu em 2004. As duas ONGs estimam que em Sergipe existam cerca de 300 travestis.



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