domingo, 25 de julho de 2010

MUNICIPIOS

Comerciantes mantêm tradição do fiado


Do JC
O agronegócio é um dos principais fomentadores do comércio formal em várias localidades do interior sergipano. Milhares de famílias do meio rural dependem das boas condições da safra, ou da engorda do rebanho, para obter renda no final de cada período de trabalho. Mais do que um hábito, uma necessidade que existe desde os primórdios da humanidade, a comercialização de produtos oriundos do campo também coloca em prática um tipo de atividade ainda bastante comum em várias comunidades do interior: a venda fiado. O crédito é dado aos agricultores porque muitos não têm renda mensal e só conseguem dinheiro quando movimentam os produtos gerados no campo.
Em Poço Verde, município do centro-sul do Estado, os comerciantes locais afirmam que mais de 50% das negociações são praticadas nesse modelo de relação comercial. “O comércio na linha agrícola é sazonal. Aqui, ele só é forte mesmo durante 120, 150 dias no ano. Nesse período, sempre se movimenta algum dinheiro através de financiamentos bancários, ou pela venda de animais ou de produtos gerados no campo. O produtor vende para investir na agricultura, porque é ela quem alavanca a economia de nossa região”, observa José Camilo Santana, dono de uma loja de insumos agrícolas.
“Quando o produtor não tem recursos para investir em sua roça, geralmente, compra para pagar no final do mês, ou quando começa o período de colheita. Os comerciantes têm noção disso e sabem que o pequeno produtor rural vai adquirir os produtos para investir na lavoura. Assim, quando a safra começar a render, eles voltarão para quitar suas dívidas. É uma relação de confiança”, explica o comerciante.

Dívidas
Camilo garante que a maior parte dos débitos é paga. “Em torno de 80% das dívidas são quitadas. O crediário movimenta 50% da fatura da minha loja. Tento evitar, mas não tem jeito, porque no comércio de material agrícola é quase impossível você trabalhar sem aderir ao crediário. Aquele que pensa em abrir um comércio por aqui, em Poço Verde, e não trabalhar desta forma pode ter certeza que irá fechar as portas”, orienta.
De acordo com ele, a velha caderneta de anotações ajuda bastante nas cobranças. “Às vezes, quando eu a abro, tomo cada susto que não dá nem vontade de ver. Dá desgosto, mas tem que acreditar. A cobrança é feita no papel mesmo, porque muitos não têm cheques. Quando é no cheque, coloco para 30 dias no preço de à vista. Mas para aqueles que não têm o cheque, a relação é mesmo de confiança. Já o cartão de crédito, aqui na região, é muito pouco”, explica Camilo.
Outro empresário que também adere ao fiado é Paulo Barbosa, que está no comércio há 28 anos. Dono de um mercadinho, ele lembra que no seu ramo o prazo é mais curto. “Não temos o luxo de dar um prazo tão longo como as lojas de material agrícola. Elas recebem crédito dos fornecedores, por isso têm essa elasticidade no pagamento. Aqui, no máximo, dou 28 dias”, diz o comerciante, apontando para um detalhe.
“É bom frisar que essa forma de pagamento independe de nossa vontade. Nossa economia é bastante instável e nós não possuímos uma indústria de grande porte pela redondeza. Não temos quem dê suporte ao pagamento da maioria da população, por isso que vivemos realmente da agricultura. A venda imediata é pequena e não temos uma organização comercial muito forte para nos dar esse suporte. A segurança, em muitos casos, é a velha e boa nota promissória”, alega Paulo Barbosa.

Clientela
O agricultor José Andrade dos Anjos afirma que herdou o hábito de comprar fiado dos pais. “Compro sempre. Minha família comprava e hoje, tudo lá pra casa, compro a fiado. É um quilo de açúcar, é adubo, é a semente, o que der para comprar eu compro. Já é costume. Procuro pagar quando a roça começa render alguma coisa, aí procuro quitar tudo o que tenho para não ficar devendo e nem ser falado por aí”, conta o lavrador, que tem uma propriedade onde planta milho e feijão.
O mesmo exemplo segue Isaias Alcides dos Santos. “Na situação em que vivemos só dá para comprar assim mesmo. Não tem outro jeito. Nós só conseguimos algum dinheiro quando vendemos a plantação, aí, sim, com o dinheiro quitamos nossas dívidas e nos organizamos para as futuras plantações”, fala o agricultor, que mora com a esposa. “Na minha situação ainda é melhor um pouquinho, porque minha mulher é aposentada e, no final do mês, temos um dinheirinho para comprar as necessidades de casa”.

Pago à vista
Já o senhor Elizeu Abreu diz que gosta da comprar à vista. “Não gosto muito de adquirir um produto a prazo. Primeiro, porque os comerciantes tiram proveito da situação e cobram juros altíssimos. Segundo, porque não quero ficar mal falado pelos cantos. Faço questão de pagar na hora. É melhor cumprir agora do que deixar para pagar mais caro depois”, prefere o agricultor, que tem uma propriedade no município baiano de Fátima.
O secretário de agricultura de Poço Verde, Ademir de Oliveira, diz que realmente o vínculo de confiança é a principal ferramenta para que o hábito da compra na base do fiado ainda se mantenha no comércio local. “Existe uma relação muito forte entre os produtores e os comerciantes. Já faz parte da cultura do comércio local e é uma tradição que ainda vai durar muito tempo”, acredita.
“Isso só acontece porque os agricultores locais honram seus compromissos, o que gera pouca inadimplência. Nosso comércio sobrevive principalmente graças às colheitas de milho e feijão, que são as principais fontes agrícolas do município. Praticamente nossa agricultura está voltada para estes dois produtos. Para você ter ideia dessa relação, até o óleo combustível para movimentar os tratores é, muitas vezes, comprado fiado nos postos. Por isso, e por tudo que você pôde perceber, lhe garanto que em Poço Verde aquela história ‘de fiado só amanhã’ não tem validade”, assegura Ademir.

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